19/12/2012
The American - A revista online do Enterprise American Institute
[http://www.american.com/archive/2009/december-2009/the-high-cost-of-ignoring-beauty]
A arquitetura
ilustra claramente os custos sociais, ambientais, econômicos, e estéticos de se ignorar a beleza. Nós estamos sendo tirados de nós mesmos por gestos ruidosos de pessoas que querem prender nossa atenção sem oferecer, porém, nada em
troca.
Na Grã-Bretanha, o Estado, na
forma de governo local ou central, vai lhe dizer se você pode ou não construir no seu próprio terreno. E, se permitir que você construa, ele estipulará
não só as finalidades para as quais você deve utilizar o edifício, mas também
como deve ser sua aparência, e quais materiais você deve usar para construí-lo.
Os americanos estão acostumados a regulamentos de construção que
estabelecem normas utilitárias: isolamentos, alarmes de incêndio, cercas
elétricas, tamanho e localização dos banheiros, e assim por diante. Mas eles
não estão acostumados a serem informados sobre quais princípios estéticos
seguir, ou sobre o que o bairro necessita em termos de detalhes materiais e
arquitetônicos. Eu suspeito que muitos americanos considerariam tais
estipulações uma violação ao direito de propriedade, e mais uma prova da
expansão ilegítima do Estado.
Essa atitude americana tem algo de
saudável neste tocante, mas tende a seguir dois pressupostos bastante falsos
sobre a beleza e a estética. O primeiro pressuposto é de que a beleza é uma
questão inteiramente subjetiva, acerca da qual não pode haver qualquer argumentação razoável e a respeito da qual é inútil buscar um consenso. O segundo
pressuposto, conveniente àqueles que adotaram o primeiro, é de que a beleza não
importa, que ela não tem realidade econômica, que não se pode permitir colocar
qualquer restrição independente no funcionamento do mercado.
O primeiro pressuposto, de que a
beleza é subjetiva, deve muito do seu apelo ao fato de ser funcional
numa cultura democrática. Ao fazer essa afirmação, você evita ofender aqueles
cujas preferências diferem das suas. O sujeito gosta de gnomos de jardim, de aparatos iluminados de natal, do Big Crosby cantando "White Christmas",
e de mil outras coisas que causam arrepios na espinha de uma pessoa educada.
Mas esse é o gosto dele, e ele tem o seu direito. Deixe-o se divertir com isso
e ele deixará você escutando os quartetos de Beethoven, coletando
antiguidades, e projetando sua casa no estilo de Palladio. Mas às vezes o
pressuposto deixa de ser funcional. A cada ano, a exposição de natal aumenta de tamanho, fica mais brilhante e inoportuna, e dura mais
tempo. Ao final, a casa dele tem durante todo o ano árvores de natal, com o
Papai Noel saindo da chaminé e renas brilhando vivamente no gramado. Para ser
honesto, o panorama é insuportável, e estraga inteiramente a vista da sua
janela. Você revida tocando Wagner tarde da noite, apenas para receber rajadas
de Bing Crosby na madrugada. Eis a cultura democrática em funcionamento – em
seu caminho rumo à destruição mútua.
Esse tipo de coisa tem sido sentido
fortemente na Europa, e é um dos motivos da reação contrária ao McDonalds.
Embora todos tenham o direito de anunciar seus produtos, o anúncio não deve
estragar o lugar onde se faz brilhar. E os anúncios americanos parecem
invariavelmente projetados para fazer justamente isso. Talvez eles não tenham
esse efeito na América: afinal, é difícil imaginar como a rua principal
americana pode ser estragada por um sinal luminoso ou por qualquer
coisa. Mas as ruas principais das cidades europeias são o resultado de decisões
estéticas meticulosas tomadas ao longo dos séculos. Será que realmente queremos arcos amarelos duplos competindo com os arcos de São Marcos?
Essa questão pode nos levar
a revisar o pressuposto de que a beleza é subjetiva. Juízos estéticos podem
lhe parecer subjetivos quando você está andando no deserto estético de Waco ou Las
Vegas. Nas antigas cidades da Europa, no entanto, você descobre o que acontece quando as
pessoas são guiadas por uma tradição comum que não só torna o juízo estético
central, mas também estabelece normas que orientam o que todo mundo faz. E em
Veneza ou Praga, em Bath, Oxford, ou Lisboa, você chega a ver que existe toda a
diferença do mundo entre o juízo estético tratado como um gosto pessoal, e o
juízo estético tratado de maneira oposta, como a expressão de uma comunidade.
Talvez vejamos a beleza como subjetiva apenas porque temos dado ao juízo estético o lugar errado
em nossas vidas -- vendo-o como um modo de autoafirmação, e não como uma forma
de abnegação.
Há um paralelo, aqui,
com os costumes. Mesmo que os americanos se sintam no direito de construir como
quiserem, eles não se sentem no direito de se comportar como quiserem em
relação aos seus vizinhos. Ao contrário, na cultura americana os costumes são
considerados de suma importância, e reconhecidos como a garantia última da
coexistência pacífica. Os americanos cumprimentam os seus vizinhos, falam
educadamente, estão sempre sorrindo. Se alguém esbarra-lhes na rua, eles pedem
desculpa; eles não podem se despedir de ninguém, nem mesmo de um estranho, sem
desejar-lhe um dia maravilhoso. E a cortesia é o principio que regula todas as
transações comerciais. Em suma, os costumes americanos existem a fim de que as
pessoas se adaptem, não para que se destaquem. São maneiras pelas quais a
individualidade é suprimida, e uma língua franca de gestos harmônicos é adotada
em seu lugar. E isso tem uma função, a saber: proteger o privado do publico,
garantir que cada pessoa segura em seu espaço, e que o espaço público seja
minimamente intimidatório.
Quando se trata de beleza, a nossa visão de seu estado é
radicalmente afetada pelo fato de a vermos como uma forma de autoafirmação, ou
como uma forma de abnegação. Se a vemos desta segunda maneira, então a hipótese
de que ela é meramente subjetiva começa a se esvair. Pelo contrario, a beleza
começa a tomar outro caráter, como um dos instrumentos da nossa estratégia para
estabelecer um consenso, um dos valores pelos quais nós construímos e
pertencemos a um mundo compartilhado e mutuamente consolador. Em suma, isso faz
parte da construção de um lar.
Podemos ver isso claramente, se
observarmos os rituais e os costumes da vida familiar. Considere o que acontece
quando você arruma a mesa para uma refeição. Isso não é somente um evento
utilitário. Se você tratá-lo como tal, o ritual se desintegrará, e os membros
da família vão acabar pegando porções individuais de comida por sua própria
conta. A mesa é posta de acordo com regras precisas de simetria, escolhendo os
talheres certos, os pratos certos, as jarras e os copos certos. Tudo é
meticulosamente dirigido por normas estéticas, e essas normas transmitem algo
do significado
da vida familiar. O molde de um prato willow-pattern,
por exemplo, tem sido consolidado ao longo dos séculos, e expressa
tranquilidade, gentileza e coisas que permanecem sempre as mesmas. Muitos dos
objetos ordinários de mesa foram, por assim dizer, polidos pela afeição
doméstica. Seus contornos têm sido aperfeiçoados, e eles expressam tons
moderados, despretensiosos de pertença. Servir a comida é também realizar um
rito, e você testemunha, na refeição familiar, a continuidade entre os costumes
e os valores estéticos. Você testemunha também outra continuidade, entre os
valores estéticos e a emoção que os romanos conheciam como piedade – o
reconhecimento de que o mundo está em outras mãos que não as humanas. Deste
modo, os deuses estão presentes nas horas de refeição, e os cristãos precedem
sua alimentação com uma graça, convidando Deus para sentar-se entre eles antes
de sentarem-se eles mesmos.
Esse exemplo nos diz muito sobre o
julgamento estético e a busca da beleza. Em particular, mostra a centralidade
da beleza na construção de um lar e, portanto, na criação de um ambiente compartilhado. Quando o intuito de
partilhar surge, nós olhamos para diretrizes e convenções que nós todos podemos
aceitar. Nós deixamos para trás as nossas inclinações pessoais e preferências
subjetivas, a fim de chegar a um consenso que propiciará um fundo publico e
comum para o que somos e fazemos. Em tais circunstâncias, as divergências
estéticas não são tão agradáveis como as discordâncias acerca do gosto da
comida (que são menos divergências do que diferenças). Quando se trata de
construir um ambiente, nós não devemos ficar surpresos de que as divergências
estéticas sejam objeto de litigâncias ferozes e coações legais –mesmo aqui na
América, onde cada pessoa é soberana em sua propriedade.
Nós podemos rejeitar a hipótese de que
a beleza é subjetiva sem adotar a concepção de que ela é objetiva. A distinção
entre o subjetivo e o objetivo não é clara nem exaustiva. Eu prefiro dizer que
os juízos de beleza expressam preferências racionais, sobre
assuntos nos quais a concordância dos outros é muito solicitada e valorizada.
Eles não são muito diferentes, nestes aspectos, dos juízos morais, e
frequentemente dizem respeito a temas similares – como quando criticamos obras
de arte por sua obscenidade, crueldade, ou sentimentalismo. A distância que
podemos percorrer pelo caminho da discussão racional depende do que pensamos do
segundo pressuposto, isto é, de que a beleza não importa.
Isso me traz de volta à anedota da
casa do meu vizinho, com a sua decoração kitsch e painéis luminosos horrendos.
Essas coisas são importantes para ele; e elas são importantes para mim. O meu desejo
de me livrar delas é tão grande quanto o seu desejo de retê-las – talvez ainda
maior, pois a minha preferência, ao contrario da dele, está profundamente
arraigada num desejo de me adaptar ao que me cerca. Então aqui está uma prova
de que a beleza importa – e também de que a tentativa de coordenar nossas
preferências é vital para partilharmos nossa casa, nossa cidade, e nossa
comunidade.
Nesse caso, no entanto, é necessário
que haja um lugar para o julgamento estético no planejamento e na construção
das cidades. Numa obra celebre, A Vida e a Morte das Grandes Cidades
Americanas, publicada em 1961, Jane Jacobs argumenta que as cidades devem
se desenvolver espontânea e organicamente, de modo a gravar em seus contornos o
resultado não-intencional das transações consensuais entre seus moradores.
Somente assim elas facilitarão o desenvolvimento pacifico da vida urbana. Uma
verdadeira cidade é construída por seus moradores, na medida em que todos os
seus aspectos reflitam o resultado da vontade dos seus inumeráveis habitantes,
e não o que alguns autonomeados experts planejaram. E esse é o aspecto
da velha Roma, de Siena, ou Istambul que mais atrai o viajante moderno. Alguns
urbanistas interpretam o argumento de Jacobs no sentido de que demonstra que os
valores estéticos podem ser deixados, para tomarem conta de si mesmos; outros,
ao contrário, têm insistido que exemplos da Jacobs realmente derivam sua força
dos valores estéticos que ela dissimula como side-constraints.
Certamente, nós devemos reconhecer que
as cidades antigas, cuja complexidade orgânica Jacobs admirou, nos mostram um
marco do planejamento: não um planejamento abrangente, certamente, mas uma
inserção, na estrutura da cidade, de formas locais de simetria e de ordem, como
o Piazza Navona em Roma, ou a mesquita de Solimão e seus arredores, em
Istambul. E tais projetos são inteiramente
motivados e orientados por valores estéticos. A preocupação principal dos arquitetos
era ajustar-se a uma estrutura urbana existente, para alcançar uma
harmonia local com o contexto de um ambiente historicamente dado. Não há maior
catástrofe estética atingindo nossas cidades -- as europeias tanto quanto as
americanas -- do que a ideia modernista de que uma construção deve destacar-se
dos seus arredores, e se tornar uma declaração de sua própria
originalidade. Tanto quanto a casa, as cidades dependem de boas maneiras; e as
boas maneiras exigem a acomodação modesta à vizinhança em vez de a afirmação
arrogante de isolamento. Os arquitetos que ganham grandes comissões hoje
-- Frank Gehry, Richard Rogers, Daniel Libeskind, Norman Foster -- são pessoas
que projetam construções como o Centre Bearboug em Paris ou o Guggenheim Museum
em Bilbao, os quais se distinguem de seus arredores, ilhas de Ego num mar de
Nós. Foster tem sido iluminado em suas viagens pela adorável cidade de Lisboa
do século 18 e se ofendido com o nível de sua arquitetura, que nunca se ergue
acima de um palácio aristocrático, e concentra toda atenção no lugar onde
ocorre a vida humana, que é a rua. Ele está, portanto, se engajando numa
campanha para construir uma grande torre de vidro acima da cidade, de modo a proporcionar
um centro de atenção num lugar cuja beleza resulta precisamente do fato de que
atenção não é centralizada, mas dispersa.
O alvo de Jane Jacobs não era,
entretanto, a grosseria estilística, mas o funcionalismo, de acordo com o qual
as construções são ditadas por suas finalidades, de modo a permanecerem unidas
a elas para sempre. Uma vez que não há, na vida humana, algo como "para
sempre", o resultado é que edifícios são abandonados depois vinte anos, e
de fato cidades inteiras que ficam desabitadas como terrenos baldios quando a
indústria local acaba. Esse efeito é agravado na América por leis de zoneamento
absurdas que banem a indústria para uma parte da cidade, escritórios para
outra, e lojas para outra, deixando as áreas residenciais desérticas durante o
dia, e sem os principais centros de comunicação social. Uma cidade governada
por leis de zoneamento morre ao primeiro choque econômico – e nós temos visto
esse efeito desde Buffalo até Tampa, como áreas da cidade primeiro perdem sua
função, então se tornam vandalizadas, e finalmente oferecem um fundo sórdido a
cenas de violência e decadência. Ao varrer os moradores do centro da cidade, as
leis de zoneamento americanas deixam-no desprotegido, a mercê de todo tipo de
nomadismo, e repleto de edifícios que não podem nunca se adaptar às mudanças
sociais e econômicas. A lei da etologia, que nos diz que a má-adaptação é o
prelúdio da extinção, aplica-se também à cidade americana.
Além do mais, os estilos de construção
funcionalistas, que se apropriam de quarteirões inteiros, ou introduzem cantos
irregulares no caminho dos pedestres, impedem o aparecimento do principal
espaço público, que é a rua. A rua, com portas que se lhe abrem, sorrindo, das
casas, são as artérias e as veias, os pulmões e o aparelho digestivo da cidade
– os canais através dos quais toda a comunicação flui. Uma rua em que as
pessoas vivem, trabalham, e se respeitam, renova-se a si mesma como a vida se
renova; ela tem olhos para vigiá-la, e formas de vida compartilhadas para
preenchê-la. Nada é mais importante do que defender a rua contra as vias
expressas e autoestradas, e contra as disposições legais de zoneamento que
proíbem o genuíno estabelecimento.
A ideia de Jacobs tem seguido o
destino de toda profecia registrada na história, que é ser ignorada até que
seja tarde demais para agir a respeito. A sua mensagem tem sido retomada e
aperfeiçoada nos últimos anos por James Howard Kunstler, que, em The
Geography of Nowhere [A Geografia de Lugar Algum], descreve os desastres
estéticos e morais da urbanização americana, como as leis de zoneamento levam
constantemente as pessoas para mais longe dos seus locais de trabalho e
recreação, deixando os destroços abandonados de negócios efêmeros em seu
rastro. Kunstler tem defendido (em The Long Emergency) que a
suburbanizacao, a única solução consensual para o desastre, é insustentável, e
que a América está preparando para si uma situação crítica de larga escala,
quando o petróleo acabar.
Quer você aceite ou não o cenário de
destruição de Kunstler, a questão que Jacobs nos legou permanece. Como é que
vamos sair da confusão? Se o problema é planejamento, como podemos planejar
para evitá-lo? E não há distinção entre um plano bom e um plano ruim? Afinal de
contas, Éfeso, e Bath, e milhares de outros triunfos da urbanização, não foram
planejados? Talvez a mais sábia resposta para o argumento de Jacobs seja,
portanto, salientar a distinção entre os planos e as side-constraints [proibições
laterais]. Apesar de a liberdade econômica ser necessária se vamos resolver o
problema da coordenação econômica, a liberdade deve ser limitada e contida pela
lei. Side-constraints são garantias de que as fraudes não vão prosperar.
Do mesmo modo em relação à cidade: deve haver planejamento, mas ele deve ser
encarado negativamente, como um sistema de side-constraints, ao invés de
positivamente, como uma maneira de "assumir o comando" do que
acontece e de onde acontece.
E aqui, parece-me, é onde a beleza se
torna tão importante. Ao longo do tempo, as pessoas fixam estilos, padrões, e
vocabulários que exercem, nos edifícios das cidades, a mesma função que as boas
maneiras exercem entre os vizinhos. Um "vizinho", de acordo com a
etimologia anglo-saxã, é aquele "constrói nas proximidades". Os
edifícios que são construídos em nossa vizinhança são importantes para nós da
mesma forma que os nossos vizinhos o são. Eles exigem a nossa atenção, e moldam
as nossas vidas. Eles podem nos esmagar ou nos acalmar; eles podem ser uma
presença hostil ou um lar. E a função dos valores estéticos na prática da
arquitetura é garantir que a primeira exigência de todo edifício seja servir –
ou seja, que ele deve ser um membro adaptado de uma comunidade de vizinhos. Os
edifícios precisam se amoldar, estarem lado a lado de modo apropriado; eles
estão submetidos às normas das boas maneiras tanto quanto as pessoas estão.
Esta é a verdadeira razão para a importância da tradição na arquitetura – isso
transmite o tipo de conhecimento prático requerido pela vizinhança.
A arquitetura não é como a poesia, a
música, ou a pintura – uma arte que pertence ao mundo do lazer e da luxúria.
Ela sobrevive independentemente de seu mérito estético, e só raramente é a
expressão de um gênio criativo. Existem grandes trabalhos de arquitetura, e
muitas vezes – como as Igrejas de Mansart ou Borromini – eles são o trabalho de
uma única pessoa. Mas a maioria dos trabalhos de arquitetura não é grande e não
deve aspirar à grandeza; mais do que qualquer outra, as pessoas comuns devem
reivindicar as prerrogativas do gênio quando conversam com seus vizinhos. O que
importa na arquitetura é o surgimento de um estilo vernacular assimilável – uma
linguagem comum que permita aos edifícios estarem lado a lado sem ofender uns
aos outros.
As cidades americanas foram
construídas fazendo-se de uso peças padronizadas de três mil anos da tradição
que conhecemos como classicismo. Os velhos livros protótipos (como aqueles
publicados por Asher Benjamin em Londres em 1797 e 1806, e que são responsáveis
pela natureza outrora agradável das cidades de New England, Boston aí incluída)
ofereceram precedentes para os construtores, modelos que eram prazerosos e
harmonizados, e que poderiam ser invocados para não estragar ou degradar as
ruas nas quais eles eram colocados. Isso é o que vemos nas ruas das cidades
europeias: não vemos a imposição de alguns esquemas ou proporções globais, mas
o crescimento orgânico da rua a partir da repetição de detalhes compatíveis. O
fracasso do modernismo, em minha opinião, não reside no fato de que não
produziu nenhum edifício grande ou belo – a Capela de Ronchamp, e as casas de
Frank Lloyd Wright provam abundantemente o contrário. Reside na ausência de
quaisquer modelos ou tipos confiáveis, que possam ser utilizados em situações
estranhas ou novas, de modo a harmonizar-se espontaneamente com a decoração
urbana, e de modo a conservar a essência da rua enquanto lar comum. A
degradação das nossas cidades é resultado do “vernáculo modernista”, cujo
principal expediente é empilhar camadas horizontais, com esquinas salientes e
intrusivas, construir sem consideração pela rua, sem fachadas coerentes, e sem
relação inteligível entre os seus vizinhos. Em outras palavras, a degradação a
que assistimos, e que é a real causa da rápida deslocação para os subúrbios,
resulta da ausência de side-constraints estéticas.
Quando não existem as side-constraints,
os custos devem não ser avaliados apenas em termos de sentimentos de
desconforto e desabrigo das pessoas que têm de trabalhar em terras
improdutivas. Os custos são tanto ambientais quanto econômicos. Os prédios de
vidro e de estrutura de aço, construídos sem fachadas e indiferentes ao
alinhamento com seus vizinhos, são um desastre ecológico. A arquitetura
tradicional concentra-se na generalidade da forma, em detalhes que
incorporam o conhecimento tácito de como se viver num edifício e adaptar-se a
ele. Deste modo, a arquitetura tradicional, por sua vez, adapta-se a nós.
Adapta-se aos nossos usos, e acolhe tudo o quanto fizermos. Por isso, ela
sobrevive – da maneira que Georgetown e Old Town Alexandria têm sobrevivido,
embora prejudicadas, infelizmente, por leis de zoneamento. A arquitetura
modernista não pode mudar suas finalidades, e os arquitetos reconhecem que suas
construções não terão uma duração de vida de vinte anos. Construindo com esse
ânimo, você não está edificando uma residência, muito menos um bairro. Você
está construindo uma barraca extremamente cara e ecologicamente destrutiva. O
impacto ambiental da sua demolição é enorme, e a energia despendia para
construí-la tem de ser desperdiçada de novo ao demoli-la e ainda de novo ao
substituí-la.
A este respeito, vale a pena também
lembrar uma grande descoberta humana, a janela. As janelas das casas
“pattern-book”[i] tradicionais formam detalhes
agradáveis e humanizadores; elas são os olhos da casa. No clima quente, elas
podem ser abertas para deixar a brisa entrar, e permitir uma circulação de ar.
No clima frio, elas podem ser fechadas. Elas são adornadas com molduras simples
e coroadas com arquitrave e pedra angular que realçam suas proporções. Elas
estão integradas na ordem implícita da fachada, de modo que é fácil encontrar a
porta de correspondência ou a janela do sótão que ficam bem ao lado dela. Em
tudo isso nós notamos uma acumulação de conhecimento prático que surge das
restrições-laterais estéticas em algo semelhante ao modo como os negócios e as
transações de mercado surgem das boas maneiras.
As janelas dos edifícios centrais
modernos não são olhos; elas não humanizam a fachada; não sugerem nenhuma forma
ou padrão que possa ser reiterado, e não colocam quaisquer limitações sobre o que
pode ou não pode ser colocado ao lado, acima, e abaixo delas. Elas não podem
ser abertas quando está calor, e elas impossibilitam a circulação de ar de fora
do edifício. Assim, o edifício depende de um consumo de energia durante todo o
ano, no inverno para esquentá-lo, no verão para esfriá-lo, e o ar mofado que
circula por dentro prende e perpetua as doenças de quem ali -- produzindo a tão
bem conhecida "síndrome do prédio doente", que é responsável por
muitos dias de trabalho perdidos. O resultado não é apenas um desastre
estético, é um desastre ecológico também. E exemplifica uma característica
importante do mundo moderno, que é o trabalho duro que está sendo dispendido
constantemente em perder conhecimento. O vernáculo moderno, que concebe as
construções como cortinas de vidros coloridos levantados sobre andaimes de
concreto e aço, representam também um avanço incomum para a ignorância e um
desastre ecológico gigante. E os arquitetos e seus teóricos dedicaram uma
imensa quantidade de trabalho intelectual para alcançar esse resultado.
Eu tenho me concentrado na arquitetura
uma vez que ela fornece uma ilustração clara dos custos sociais, ambientais e
econômicos de se ignorar a beleza. Mas há outro custo, também, e é um custo que
testemunhamos em nossas vidas individuais tanto quanto na comunidade. Este é o
custo estético. As pessoas precisam de beleza. Elas precisam do sensação de
estar em casa em seu mundo, e estar em comunicação com outras almas. Em muitas
áreas da vida moderna -- na música pop, na televisão e no cinema, na linguagem
e na literatura --a beleza está sendo substituída por clichês estridentes e
ávidos por atenção. Nós temos sido tirados para fora de nós mesmos por gestos
grosseiros e insolentes de pessoas que querem prender nossa atenção sem dar,
porém, nada em troca. Embora este não seja o lugar para defender o ponto,
talvez devesse ser dito que essa perda da beleza, e o desprezo por sua busca, é
um passo em direção do caminho de uma nova forma de vida humana, em que o ter
substitui o doar, e concupiscências vagas substituem os amores reais.
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