quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Questões para as quais não há respostas, Roger Scruton


The New Statesman (1)
23 de setembro de 2013 
 


A nossa natureza enquanto seres questionadores parece ter um alto custo. E talvez já não estejamos mais preparados para pagá-lo.


Se eu me pergunto o que faz de nós seres humanos, uma resposta salta-me de imediato – não é a única, mas é a sugerida pela questão. O que nos torna humanos é que fazemos perguntas. Todos os animais têm interesses, instintos e concepções. Todos os animais moldam para si uma ideia do mundo em que vivem. Mas só nós questionamos o nosso ambiente em torno. Apenas nós recusamos ser definidos pelo mundo onde vivemos, e em vez disso tentamos definir, por nós mesmos, nossa própria natureza .

A história intelectual da nossa espécie é em grande medida definida por essa tentativa. Nós somos animais como os outros? Será que temos almas assim como temos corpos? Será que somos ligados, na ordem das coisas, aos anjos, aos demônios e deuses? Toda ciência, toda arte, toda religião e toda filosofia dignasdo nome, começa com uma pergunta. E é porque temos perguntas que a vida humana é tão profundamente gratificante e tão profundamente preocupante, também.

Nem todas as perguntas têm respostas. Em matemática e nas ciências nós resolvemos nossos problemas do mesmo modo como os criamos. Mas, na arte e na filosofia, as coisas não são tão simples. O grande solilóquio de Hamlet começa com a frase: – “Ser ou não ser: eis a questão”. A peça gira em torno dessa pergunta. Seria melhor não existir? Existe algo na vida humana que faz valer a pena? Quando, confrontados diante da amplitude da traição e intrigas humanas, caímos em completo desprezo em relação à nossa espécie, existe algum truque racional , alguma percepção, algum argumento ou algum apelo à autoridade superior que irá restaurar em nós a vontade de viver?

Quando eu olho para os artistas do passado, muitas vezes me impressiono com a medida em que sua obra se desenvolveu em resposta a uma pergunta. Milton se perguntou como o mundo deteriorado em que viveu poderia ser a obra de um Deus sumamente bom e sua resposta foi "Paraíso Perdido". Bach perguntou a si mesmo como as variações e permutações fluem dos movimentos básicos na música e sua resposta foi "A Arte da Fuga". Rembrandt perguntou a si mesmo como a alma se revela na carne e o que as luzes e texturas dos nossos corpos significam, e sua resposta foi sua série extraordinária de autorretratos. É como se, na obra de arte, a pergunta fosse sempre o de que se trata.

O poema de Milton insere a questão da relação do homem com Deus no centro de nossa consciência. O poema não responde à pergunta, porém, em vez disso, nos infunde admiração e temor, em resposta. A admiração e o temor são a dieta do artista e sem isso o mundo nos seria bem menos significativo do que é.

O mesmo é verdadeiro para a filosofia. Embora haja filósofos que fornecem respostas, geralmente são as suas perguntas, e não as suas respostas, que sobrevivem. Platão perguntou como é que podemos pensar sobre a propriedade da 'vermelhidão' e não apenas sobre coisas vermelhas. Como as limitadas mentes humanas podem ter acesso a realidades universais? A pergunta de Platão ainda está conosco, mesmo que poucas pessoas hoje aceitem sua resposta. Aristóteles perguntou como pode haver tempo e mudança num universo ordenado. Há uma força motriz que coloca tudo isso em movimento? Poucos aceitariam a resposta de Aristóteles a essa pergunta: mas a pergunta permanece. Como pode haver tempo, mudança, processo e devir, em um mundo que poderia ter ficado permanentemente em repouso? Kant perguntou como é que os seres humanos, que fazem parte da ordem natural, podem livremente decidir fazer isso em vez daquilo, podem tomar responsabilidade por suas decisões e se responsabilizarem-se mutuamente pelas consequências dos seus atos.

Kant era honesto em reconhecer que a questão está além da nossa capacidade de responder; mas enquanto não a tenhamos respondido, ele sustenta, nós não temos nenhuma compreensão real da nossa condição.

Nos monastérios, bibliotecas e cortes da Europa medieval as grandes questões eram constantemente debatidas. As pessoas poderiam ser queimadas na fogueira por causa de suas perguntas, e outras poderiam atravessar a terra e o mar para punir as pessoas por suas respostas. Na Renascença e de novo no Iluminismo as grandes questões foram feitas e respondidas, e novamente a morte e a destruição foram o resultado, como nas guerras religiosas do século 16 e 17 e na Revolução Francesa. O comunismo e o fascismo, ambos começaram na filosofia, ambos eram respostas promissoras às questões últimas e ambos levaram a assassinatos em massa.

A nossa natureza enquanto seres questionadores parece ter um alto custo. E talvez já não estejamos mais preparados para pagá-lo. Certamente, se nós olhamos ao nosso redor, hoje, nós vemos uma massa de respostas prontas e muito poucas tentativas de definir as perguntas que as justificariam. Deveríamos, então, desistir do hábito de fazer perguntas? Acho que não. Deixar de fazer perguntas seria deixar de ser plenamente humano.

(1) Artigo publicado em 
http://www.newstatesman.com/ideas/2013/09/not-all-questions-have-answer-0

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