American Spectator [1]
Julho/Agosto de 2007
O bom gosto é tão importante na estética quanto no humor. UM SÉCULO ATRÁS MARCEL DUCHAMP assinou um urinol com o nome “R. Mutt”, intitulou-o “A Fonte” e o expôs como obra de arte. Imediatamente, a piada de Duchamp precipitou uma indústria intelectual dedicada a responder a questão “O que é arte?” A literatura produzida por essa indústria é tão vazia quanto as infindáveis imitações do gesto de Duchamp. No entanto, ela deixou um resíduo de ceticismo. Se tudo pode ser considerado arte, então a arte deixa de ter um propósito. Tudo o que resta é o fato curioso, mas infundado, de que alguns parecem olhar para algumas coisas, e outros, para outras coisas. Quanto à sugestão de que há um esforço da crítica que busca por valores e monumentos duradouros do espírito humano, ela é descartada como algo que depende de uma concepção de obra de arte que já foi purificada pelo dreno da fonte de Duchamp.
O argumento é avidamente abraçado,
porque parece libertar as pessoas do fardo da cultura, dizendo-lhes que todas
aquelas veneráveis obras primas podem ser ignoradas impunemente, que a TV é de fato ‘tão boa quanto’ Shakespeare e que o techno-rock é pode ser equiparado a Brahms, uma vez que nada é melhor do que nada e toda proclamação de valor estético é vazia.
O argumento, portanto, está de acordo com as formas elegantes de relativismo
cultural, e define o ponto a partir do qual os cursos universitários de
estética tendem começar - e onde tantas vezes terminam.
Seria muito útil fazer, aqui, uma comparação com as piadas. É difícil circunscrever a categoria das
piadas, assim como na classificação de obras de arte. Qualquer coisa pode ser
uma piada, se alguém o afirma. Uma piada é um artefato produzido para ser objeto de riso.
Ela pode falhar ao tentar exercer sua função, caso em que é uma piada que ‘quebra
a cara’. Ou ela pode desempenhar a sua função ofensivamente, caso em que ela
é uma piada ‘de mau gosto’. Mas nenhuma das duas sugere que a categorização de
piadas é arbitrária, ou que não existem distinções entre piadas boas e ruins.
Tampouco sugerem que não há lugar para a crítica de piadas, ou para uma educação
moral em que o senso de humor decente é um objetivo a ser alcançado. Na verdade, a primeira
coisa que você deve aprender, ao ter em consideração as piadas, é que o urinol
de Marcel Duchamp foi uma delas – muito boa num primeiro momento, brega em
meados do século 20, e totalmente estúpida nos dias de hoje.
Como as piadas, as obras de arte têm
uma função. Elas são objeto de interesse estético. Elas podem desempenhar essa
função de modo recompensador, oferecendo alimento para o pensamento e
elevação para o espirito, ganhando para si um público leal que retorna até elas para obter consolação ou inspiração. Tais obras podem desempenhar seu papel de um modo que
seja julgado ofensivo ou francamente aviltante. Ou elas podem falhar
completamente em nos oferecer o interesse estético que estão solicitando.
AS OBRAS DE ARTE que jamais esquecemos caem nas primeiras duas categorias: a consolação e o aviltamento. Aquelas que são um fracasso total desaparecem da memória pública. E é realmente importante o
tipo de arte a que você se apega, que você inclui em seu tesouro de símbolos e
alusões, que você traz em seu coração. O bom gosto é tão importante na estética
quanto no humor, e, na verdade, o gosto é que está em jogo, aqui. Se os cursos
universitários não começarem a partir dessa premissa, os alunos terminarão
seus estudos de arte e cultura tão ignorantes quanto começaram.
É verdade, no entanto, que as pessoas
já não veem as obras de artes como objetos de julgamento ou como expressões da
vida moral. Cada vez mais, muitos professores de humanidades concordam com a opinião inculta dos seus alunos recém-chegados de que não há uma distinção entre o bom gosto e o mau gosto. Mas imagine alguém dizendo a mesma coisa
sobre o humor. Jung Chand e Jon Halliday recontam uma das raras ocasiões em que o jovem
Mao Tse-tung desatou a rir: foi no circo, quando o equilibrista caiu do alto
da corda bamba para a sua morte. Imagine um mundo em que as pessoas rissem
apenas das desgraças dos outros. O que um mundo como esse teria em comum com o
mundo de Tartufo de Moliere, As Bodas de Fígado de Mozart, Don Quixote de Cervantes, ou Tristam Shandy de Laurence Sterne? Nada,
exceto o fato do riso. Tal mundo seria degenerado, um mundo que a bondade
humana já não mais encontraria confirmação no humor, em que um aspecto inteiro do
espírito humano teria se tornado atrofiado e grotesco.
Imagine agora um mundo em que as
pessoas só demonstrassem interesse por caixas Brillo, por urinóis com assinaturas,
por crucifixos mergulhados na urina, ou por objetos similares, retirados dos resíduos da vida diária e colocados em exposição com uma espécie de intenção
satírica – em outras palavras, o programa cada vez mais comum das exposições oficiais de
arte moderna na Europa e nos EUA. O que esse mundo teria em comum
com o de Duccio, Giotto, Velazquez, ou mesmo Cézanne? Claro, haveria fato de
que os objetos seriam colocados em exibição, e o fato de que os veríamos em espetáculos estéticos. Mas este seria um mundo degenerado, onde as
aspirações humanas já não encontrariam mais sua expressão artística, onde já
não forjaríamos, para nós mesmos, imagens do ideal e do transcendente, e onde estudaríamos a ruína humana, e não a alma. Nesse mundo, um
aspecto inteiro do espírito humano – o aspecto estético – teria se tornado
atrofiado e grotesco. Pois, se temos aspirações em relação à arte, quando essa aspiração
acaba, o mesmo ocorre com a arte.
Parece-me que agora o espaço público
da nossa sociedade começou, de fato, a se render ao tipo de degradação que eu tenho descrito. O nosso espaço público foi tomado por uma cultura que não
deseja educar nossa percepção, mas capturá-la, não para enobrecer a vida
humana, e sim para banalizá-la. Eu só posso oferecer uma resposta imperfeita de
por que isso é assim. Mas que isso é assim é certamente inegável. Observe a
arte vigente nas sociedades modernas – a arte que acaba sendo exposta em museus ou em
pedestais públicos, a arquitetura que é autorizada por órgãos públicos, ou
mesmo a música que desfruta dos favores da máquina de subsídios públicos – e
você encontrará, frequentemente, ou kitsch burlesco, ou gestos deliberadamente
hostis desafiando as tradições que fizeram com que a arte fosse diga de ser amada. A maior parte da nossa arte pública é destituída tanto do amor quanto da humildade que provém dele.
Disso não podemos concluir que os gostos e os juízos são coisas do passado. Nem que a arte tenha sido banida das nossas vidas ou que tenha perdido seu significado. Tudo o que podemos deduzir é que a arte está sendo conduzida para fora da área pública. Você já não pode mais encontrá-la em algum lugar lá fora, e sim apenas aqui, em foro íntimo. A arte está sendo privatizada, enquanto cada um de nós se esforça para se manter fiel a uma visão da beleza que já não confia em compartilhar fora do círculo de amigos. Uma das causas desse fenômeno é a cultura democrática, que é avessa a julgamentos de qualquer tipo, em especial ao julgamento dos gostos. A atitude predominante é a de que você tem o direito de ter suas preferências, mas não o direito de impô-las a mim.
A maior parte dos estudantes americanos chegam ao colégio com essa atitude, e ficam perplexos ao descobrir que existem pessoas que não apenas discordam das suas preferências musicais, artísticas e literárias (para não falar em vestimentas, uso da linguagem e relações sociais), mas na verdade as olham com desprezo, como inferiores a determinado padrão conceituado. Isso é algo que é difícil de aceitar, e é uma das causas da adesão generalizada ao relativismo cultural em suas várias formas -- uma vez que o relativismo cultural coloca a experiência estética completamente acima do mundo do julgamento, e portanto neutraliza o valor do bom gosto. E a preferência pela arte que dessacraliza a imagem humana ou o espaço público está conectada com o temor de emitir julgamentos estéticos. Ao defender o que é deliberadamente desagradável e detestável, você torna o julgamento ridículo: tanto o meu quanto o seu.
Parece-me, contudo, que a atitude democrática está em conflito com si mesma. É impossível viver como se não existissem valores estéticos, quando se vive uma vida real entre pessoas reais. As maneiras, as roupas, os discursos e os gestos -- tudo exige uma atenção cuidadosa à aparência das coisas. Em cada esfera da vida humana, desde a preparação da mesa até o discurso fúnebre, as escolhas estéticas são necessárias e são observadas. Sem elas não podemos resolver o enorme problema de coordenação que surge quando milhares de indivíduos se amontoam num espaço público. Deste modo, na cultura democrática, o julgamento estético começa a ser experimentado como uma aflição. Ele impõem um fardo insustentável, algo que devemos acatar, um mundo de ideais e aspirações que está em forte conflito com a indecência e a imperfeição de nossa vidas improvisadas. Ele está pendurado sobre os nossos ombros como uma coruja, enquanto nós tentamos esconder nossos animais roedores domésticos em nossas roupas. A tentação é voltar-lhe as costas e mandá-lo embora.
Eis outra razão para o desejo de dessacralização. Este é um desejo de voltar o juízo estético contra si mesmo, de modo que já não pareça um julgamento sobre nós. A todo momento notamos isso nas crianças -- o prazer por barulhos, palavras, alusões desagradáveis que ajudam-nas a se distanciar do mundo adulto que as julga, e cuja autoridade elas desejam negar. Esse refúgio habitual das crianças em relação ao fardo do julgamento adulto tem se tornado o refúgio dos adultos em relação à sua cultura. Ao usar a arte como um instrumento de dessacralização, eles neutralizam pretensões da arte: ela perde sua autoridade, e eles se tornam cúmplices na conspiração contra os ideais.
[1] http://spectator.org/articles/44944/art-beauty-and-judgment
Disso não podemos concluir que os gostos e os juízos são coisas do passado. Nem que a arte tenha sido banida das nossas vidas ou que tenha perdido seu significado. Tudo o que podemos deduzir é que a arte está sendo conduzida para fora da área pública. Você já não pode mais encontrá-la em algum lugar lá fora, e sim apenas aqui, em foro íntimo. A arte está sendo privatizada, enquanto cada um de nós se esforça para se manter fiel a uma visão da beleza que já não confia em compartilhar fora do círculo de amigos. Uma das causas desse fenômeno é a cultura democrática, que é avessa a julgamentos de qualquer tipo, em especial ao julgamento dos gostos. A atitude predominante é a de que você tem o direito de ter suas preferências, mas não o direito de impô-las a mim.
A maior parte dos estudantes americanos chegam ao colégio com essa atitude, e ficam perplexos ao descobrir que existem pessoas que não apenas discordam das suas preferências musicais, artísticas e literárias (para não falar em vestimentas, uso da linguagem e relações sociais), mas na verdade as olham com desprezo, como inferiores a determinado padrão conceituado. Isso é algo que é difícil de aceitar, e é uma das causas da adesão generalizada ao relativismo cultural em suas várias formas -- uma vez que o relativismo cultural coloca a experiência estética completamente acima do mundo do julgamento, e portanto neutraliza o valor do bom gosto. E a preferência pela arte que dessacraliza a imagem humana ou o espaço público está conectada com o temor de emitir julgamentos estéticos. Ao defender o que é deliberadamente desagradável e detestável, você torna o julgamento ridículo: tanto o meu quanto o seu.
Parece-me, contudo, que a atitude democrática está em conflito com si mesma. É impossível viver como se não existissem valores estéticos, quando se vive uma vida real entre pessoas reais. As maneiras, as roupas, os discursos e os gestos -- tudo exige uma atenção cuidadosa à aparência das coisas. Em cada esfera da vida humana, desde a preparação da mesa até o discurso fúnebre, as escolhas estéticas são necessárias e são observadas. Sem elas não podemos resolver o enorme problema de coordenação que surge quando milhares de indivíduos se amontoam num espaço público. Deste modo, na cultura democrática, o julgamento estético começa a ser experimentado como uma aflição. Ele impõem um fardo insustentável, algo que devemos acatar, um mundo de ideais e aspirações que está em forte conflito com a indecência e a imperfeição de nossa vidas improvisadas. Ele está pendurado sobre os nossos ombros como uma coruja, enquanto nós tentamos esconder nossos animais roedores domésticos em nossas roupas. A tentação é voltar-lhe as costas e mandá-lo embora.
Eis outra razão para o desejo de dessacralização. Este é um desejo de voltar o juízo estético contra si mesmo, de modo que já não pareça um julgamento sobre nós. A todo momento notamos isso nas crianças -- o prazer por barulhos, palavras, alusões desagradáveis que ajudam-nas a se distanciar do mundo adulto que as julga, e cuja autoridade elas desejam negar. Esse refúgio habitual das crianças em relação ao fardo do julgamento adulto tem se tornado o refúgio dos adultos em relação à sua cultura. Ao usar a arte como um instrumento de dessacralização, eles neutralizam pretensões da arte: ela perde sua autoridade, e eles se tornam cúmplices na conspiração contra os ideais.
[1] http://spectator.org/articles/44944/art-beauty-and-judgment